Receitas e a forte conexão com a tradição presentes em Belo Horizonte inspiram  estabelecimentos em outros estados

Capiau abriu suas portas no coração do Rio de Janeiro, trazendo como destaque um charmoso fogão a lenha vermelho, inspirado no famoso modelo do restaurante Xapuri, em BH | Foto: Lipe Borges/divulgação

Buscar referências é uma prática comum no mercado, conhecida como benchmarking. Trata-se de comparar práticas, produtos, serviços ou processos de uma referência para identificar melhorias e adotar as melhores práticas. Assim, não surpreende que a gastronomia de Belo Horizonte tenha se tornadouma inspiração assumida para o resto do país. Um exemplo é o Moela, um dos bares mais populares de São Paulo, que declara abertamente ter buscado inspiração na capital mineira.

“Eu decidi que queria abrir o Moela em um dia que estava bebendo e comendo no Bola Bar, em Belo Horizonte”, disse o chef Rômulo Morente. Em uma de suas visitas à capital mineira, quando vivia participando de eventos e cursos de churrasco, o chef visitou o tradicional bar que fica no bairro Padre Eustáquio e que faz petiscos de estufa desde 1939. “BH sempre é um bom lugar para buscar referências, comer, provar e conhecer botecos novos, para mim”, disse.

No Moela, que hoje consta com duas unidades em São Paulo – Pinheiros e Santa Cecília – herdou a estufa de inspiração do Bola Bar, mas foi adaptada para preparos frios para os paladares paulistanos, como moela fria em salsa verde e salada de batata, cenoura, pepino e maçã verde picadinhas com maionese da casa. Outro clássico belo-horizontino, o fígado com jiló, servido principalmente no Mercado Central, também foi adaptado: língua com jiló. “O fígado de boi a galera come menos por aqui”, justifica o chef.

Em São Paulo, o Armazém Teresinha e o bar Cambará, comandados pela chef Giulia Simokomaki, carregam traços da cultura e gastronomia de Belo Horizonte. Durante uma de suas visitas à capital mineira, Giulia explorou diversos estabelecimentos como uma pesquisa em campo e foi em busca de inspiração para seus projetos. Essa imersão resultou na criação de pratos que abastecem o menu desses endereços paulistanos que refletem a essência acolhedora e autêntica da cidade.

Natural de Bonfim Paulista, Giulia vê em Belo Horizonte uma forma de se reconectar com suas raízes. Segundo a chef, a capital mineira equilibra modernidade e tradição de maneira única. “As pessoas em BH se modernizaram, estão antenadas com tudo, mas, ao mesmo tempo, mantém o pé próximo ao produtor, com receitas de família… Isso se perdeu muito em alguns lugares aqui em São Paulo”, explica.

Essa combinação entre o espírito contemporâneo e o vínculo com a tradição local, segundo Giulia, é um traço distintivo de Belo Horizonte. “Essa vivência interiorana em uma cidade grande só existe em BH”, ressalta a chef, destacando a importância da cidade como uma referência no cenário gastronômico brasileiro.

O bolinho de arroz é um dos clássicos mais queridos do Estabelecimento Bar, em Belo Horizonte – e um dos destinos visitados por Giulia. O tira-gosto foi homenageado no bar Cambará e adaptado de uma forma mais paulista: o tradicional bolovo – petisco clássico dos botecos em São Paulo – é feito com massa de bolinho de arroz com jiló, calabresa e queijo meia cura.

Giulia também foi fisgada pela icônica almôndega do Mercadinho Bicalho, que fica em Santa Tereza. Preparada artesanalmente com carne bem temperada, a iguaria se destaca pela suculência e pelo sabor marcante. No Cambará, é possível experimentar uma amostra com inspirações mineiras, servida também com fubá torrado. Já no Armazém Teresinha, itens extraídos do Mercado Central da capital mineira, como compotas, doces e filtro de barro, integram o ambiente.

Lenha no centro

Também com tradição botequeira, o Rio de Janeiro possui endereços que se tornaram patrimônios culturais, reforçando o símbolo de convivência e tradição. No entanto, nem todos os estabelecimentos se propõem a ser um ponto de encontro em torno de um fogão a lenha — uma exceção é o recém-inaugurado Capiau, que traz um pedacinho de Minas Gerais para o coração da capital fluminense.

O cardápio do Capiau é uma verdadeira homenagem às tradições caipiras, com pratos que destacam ingredientes típicos mineiros, como carne de lata produzida no próprio local, queijo da Serra da Canastra e torresmo. Além disso, oferece uma ampla variedade de miúdos, como língua, bochecha, pé de porco e moela de pato, todos preparados em panelas de ferro sobre um fogão a lenha. Esse fogão, que ocupa posição de destaque no salão decorado com uma porteira, é o coração do ambiente e remete à cozinha afetiva e familiar.

“O Xapuri é uma referência de restaurante com fogão a lenha no Brasil. Não tem como não falar dele”, explica o chef Diego Melão, sócio do Capiau. Natural de Monteiro Lobato, na Serra da Mantiqueira Paulista, e especialista em cozinha caipira, Diego lidera o projeto ao lado de Raphael Vidal, conhecido por sua contribuição para a revitalização da região da Pequena África, no Rio de Janeiro, próximo de onde o Capiau está instalado. 

O fogão a lenha vermelho do Capiau é inspirado no icônico fogão do Xapuri, famoso há mais de 35 anos. Pilotado inicialmente por Dona Nelsa — uma referência na gastronomia mineira, falecida em 2023 —, o restaurante hoje é conduzido pelo seu filho, o chef Flávio Trombino, que mantém vivo o legado da mãe.

Para Diego, Belo Horizonte e Minas Gerais como um todo são fontes inesgotáveis de inspiração. “Em Minas, você encontra uma comida simples, acessível e extremamente saborosa. Há uma régua mais alta no uso do tempero, com fartura de ingredientes frescos, algo que muitas vezes se perde em grandes cidades”, reflete o chef.

Fonte: O Tempo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *