Rica gastronomia, boa oferta de passeios e economia criativa são atrativos para um público interessado em roteiros culturais

Felipe Martins e Gui Pertence estão à frente da bem-sucedida loja Made in Beagá — Foto: Rodney Costa / O Tempo

Belo Horizonte está a 560 km do litoral, mas isso não significa que a cidade não possa ter atrativos tão interessantes quanto as 11 capitais brasileiras com praias. Após o sucesso estrondoso do Carnaval, muitos viajantes têm percebido que a capital mineira é recheada de passeios interessantes – especialmente nos quesitos cultura e gastronomia. E quem mais se beneficia do crescimento de turistas na cidade são os pequenos negócios nas mais diferentes áreas de serviços, como bares, restaurantes, comércio e hotéis. 

De acordo com a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), a capital mineira vem apresentando bons números nos indicadores de atividades turísticas, especialmente por se destacar no circuito de grandes eventos culturais e de entretenimento – como os festivais de música no Mineirão.

E quem chega para um show, aproveita para circular por bares e restaurantes, fazer compras em mercados e rechear as malas de presentes para a família. A consequência disso é dinheiro no bolso dos pequenos empresários e nos cofres públicos. Segundo a Belotur, no último ano foram registrados R$147,98 milhões recolhidos somente em impostos sobre serviços (ISS) relacionados às atividades parcialmente e tipicamente turísticas – ante R$ 83,74 milhões em 2022, ou seja, um crescimento de 76,7% na arrecadação.

“O turista, hoje em dia, tem buscado cada vez mais experiências. Ele não tem mais interesse em ser mero espectador dos processos e, por isso, os museus estão ficando cada vez mais interativos. Os mercados permitem essa interação das pessoas com a culinária, por exemplo. E os turistas estão procurando pelos espaços visitados pelos próprios belo-horizontinos, como a rua Sapucaí. Elas querem ter contato com o que é característico da cidade”, explica Ronaldo Flaviano de Souza Junior, instrutor do curso Técnico de Turismo do Senac. 

Segundo ele, além da boa fama da gastronomia mineira, outros pontos têm sido importantes para atrair visitantes como a ampliação da oferta de voos para a cidade, a sensação de segurança e os preços dos produtos – muito mais convidativos do que nas cidades tradicionalmente turísticas.

“Isso beneficia não somente os comerciantes, mas toda uma cadeia de pequenos produtores. Pense que o movimento de turistas não só beneficia o restaurante, mas também o produtor das hortaliças não convencionais, tão usadas em nossos pratos”, explica o professor. 

Uma prova disso é a loja de suvenires criativos Made in Beagá, que lançou a primeira loja há cinco anos no Mercado Novo, a segunda unidade no Aeroporto de Confins em 2023 e, agora, também deve chegar ao bairro Santa Efigênia. A empresa é pequena, com apenas seis funcionários, mas fomenta também mais de cem parceiros criativos responsáveis pelos objetos vendidos pela marca – das pelúcias de capivaras a quebra-cabeças com imagens da cidade. O faturamento anual já supera a marca de R$ 1 milhão. 

“A nossa premissa é trabalhar com vários produtores locais. Desenvolvemos a parte da conceituação e a produção normalmente é com pequenos produtores das mais diferentes técnicas”, explica o designer Felipe Martins, 39, que deu início ao projeto há oito anos ao lado do sócio, o administrador Gui Pertence, 37. 

O diferencial da marca é a criação dos mais diferentes produtos inspirados na própria cidade. “Belo Horizonte tem uma cultura pulsante, mas não explorada em produtos. E assim surgiu a marca. A gente coleciona referências da cidade, ideias que vão se construindo em função da vivência”, diz Felipe, lembrando que a gastronomia, a arquitetura e, até, as lendas urbanas são inspirações para os produtos – que agradam não somente os turistas, mas também os belo-horizontinos.

Boa ocupação na hotelaria

Até mesmo na hotelaria, dominada por grandes grupos, há exemplos de pequenas empresas que se beneficiam do turismo crescente. No BR Hostel, localizado no bairro Funcionários, que celebra seis anos nesta semana, a taxa de ocupação média chegou a 70% em 2023. Não só pelos brasileiros, mas também pelos estrangeiros, que já respondem por 12% dos hóspedes – antes era 7%. 

“No Carnaval, temos lotação máxima, mas isso também se repete quando acontecem os grandes festivais de música e eventos, como a Virada Cultural”, explica Flávio Sifuentes, 39, sócio-proprietário do hostel.

Segundo ele, os turistas vêm a Belo Horizonte em busca de roteiros culturais – como Inhotim e Ouro Preto – e aproveitam para explorar o cenário alternativo da cidade, como Mercado Novo, o bar Juramento e a pizzaria Forno da Saudade. Além de, claro, explorarem a comida típica mineira no Mercado Central. “A coisa que a gente mais ouve deles são os elogios para a hospitalidade, a comida e a segurança. Os paulistas especialmente falam que é como passear em São Paulo sem ter medo de andar com celular”.

A alta demanda por hospedagem de baixo custo fez com que Nataly Monken, 28, apostasse na abertura de um hostel. “Eu alugava quartos através do Airbnb e muitas vezes não conseguia atender a demanda. Então, percebi que poderia ser melhor apostar em um hostel”, explica. Ela abriu o Belô Hostel em fevereiro e, no mês seguinte, conseguiu a lotação de 90% para as 35 camas – graças ao festival de música I Wanna Be Tour. 

“Quando trabalhava com Airbnb, recebia mais casais e pessoas a trabalho. Com o hostel, tenho um público muito variado. São turistas brasileiros e estrangeiros, pessoas que vêm a trabalho ou fazer um concurso, além do público de grandes eventos da cidade”, explica.  

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), a rede hoteleira de BH registrou uma ocupação média de 49% no primeiro trimestre de 2024, abaixo dos 55% apontados no mesmo período do ano passado. Por outro lado, a diária média subiu de R$ 325,99 para R$ 333,67. Talvez a hotelaria da cidade não consiga repetir os números de 2023 devido ao pequeno número de feriados prolongados neste ano, mas isso não quer dizer que o setor vá enfrentar problemas.

“A hotelaria mineira está otimista em relação ao desempenho do setor no acumulado do ano de 2024, com projeções favoráveis para o segundo semestre, especialmente na ocupação corporativa. As expectativas são impulsionadas pelo menor número de feriados no período, o que tende a intensificar a agenda e demanda regional por ocupação de hóspedes de negócios”, argumenta o consultor do setor Maarten Van Sluys, lembrando que Minas Gerais é um estado com forte vocação para o turismo corporativo. 

Turistas buscam roteiros alternativos

Não há como vir a Belo Horizonte e não passar pelo Mercado Central. Mas atualmente os turistas querem ir além das compras de queijos, doces e pimentas das lojinhas tradicionais. Muitos visitantes têm andado alguns metros para fazer outras compras no segundo andar do Mercado Novo, que passou por um processo de revitalização e hoje conta com mais de uma centena de pequenos negócios baseados em inovação, design e qualidade. 

“A movimentação de turistas é intensa, as pessoas de fora vêm para cá e reconhecem que é um prédio que abriga um movimento bacana e inusitado. O que fizemos aqui não tem em nenhum lugar do mundo”, diz Gabriel Filho, superintendente do Mercado Novo. 

Segundo ele, o sucesso do espaço está em só abrigar projetos autorais, dificilmente copiados. Na maioria das lojas, são os empresários que ficam atrás do balcão, interagindo com os clientes. “Os donos das lojas são as pessoas que melhor conhecem os produtos, que vão saber passar melhor as informações. Ninguém melhor do que o próprio artista ou designer para vender a sua peça”, completa.

E há opções para todos os tipos de turistas. No Mercado Novo, é possível ver famílias inteiras passeando nas manhãs de sábado ou de domingo, enquanto a noite o espaço costuma ser ponto de encontro para a juventude.

Além do mercado da avenida Olegário Maciel, os jovens turistas também têm como destino certo a rua Sapucaí, onde estão vários bares e um mirante para uma série de painéis urbanos em empenas de prédios antigos, realizados pelo Circuito Urbano de Arte (CURA). 

“Quem vem para Belo Horizonte para um evento fica no fim de semana sabe que sempre vai ter alguma coisa na Sapucaí”, relata Marco Panerai, sócio-proprietário do bar Laicos, que também tem uma unidade na rua Ceará. “Enquanto na Sapucaí recebemos muitos turistas no fim de semana, na Savassi os viajantes costumam ir nos dias úteis. São pessoas que vieram por algum motivo e estendem a estadia por um ou dois dias”. 

Um maior ticket médio

Presente no Mercado Novo e nos parques do Palácio das Mangabeiras, o Café Magrí tem recebido turistas não somente aos finais de semana, de acordo com a proprietária Marília Balzani. “Recebemos muitos turistas de são Paulo e muitos gringos. Não sei por que, mas são em sua maioria franceses e japoneses”, relata a empresária, que percebe que seus clientes costumam ser pessoas que buscam boas experiências em gastronomia e cultura. 

E não faltam bons restaurantes na cidade para o turista explorar a comida mineira tradicional ou revisitada por chefs renomados. Um dos pontos muito procurados pelos amantes da gastronomia contemporânea é o Cozinha Santo Antônio, no bairro que dá nome ao empreendimento.

“É um público bem legal, muito interessado, que quer experimentar uma comida mineira diferente”, descreve a chef Ju Duarte. De acordo com a empresária, os turistas costumam oferecer um ticket médio maior do que os moradores da cidade. “Isso é mais perceptível nos dias de semana, quando os turistas pedem pratos a la carte, porque o interesse deles é por conhecer uma comida mais elaborada”.

E os turistas não têm circulado apenas pela região Centro-Sul ou pela Pampulha. O bairro Lagoinha também tem atraído os visitantes, como é com o Bença Bençoi, inaugurado na rua Diamantina em 2021. “Ultimamente temos recebido bastante turistas. A a maioria são pessoas que estão em Belo Horizonte a trabalho. Quando perguntado sobre como conheceram o Bença Bençoi eles relatam que fazem uma pesquisa de bares em Belo Horizonte que tenham uma avaliação muito boa e que o espaço seja super diferente ou até mesmo sobre indicação de amigos”, conta Marcelo Oliveira, sócio do Bença Bençoi.

Fonte: O Tempo