Apesar de muitas empresas de tecnologia promoverem metas ambiciosas de sustentabilidade, as práticas acabam não correspondendo ao prometido
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A era da inteligência artificial trouxe inovações impressionantes que remodelaram setores inteiros, mas também preocupações sobre os impactos ambientais e sociais associados ao crescimento acelerado dos data centers – instalações físicas que abrigam grande quantidade de servidores e equipamentos de TI com o objetivo de armazenar, processar e gerenciar grandes volumes de informações. Os dados sobre consumo de energia e água são alarmantes.
Um estudo conduzido pelo Washington Post em conjunto com pesquisadores da University of California, Riverside, revelou que o uso de chatbots como o GPT-4 pode consumir até meio litro de água por e-mail gerado. Se um em cada dez trabalhadores dos EUA utilizasse o chatbot duas vezes por semana, em um ano o consumo total de água seria de cerca de 870 milhões de litros — equivalente ao consumo doméstico de toda a população de Rhode Island, na costa leste dos EUA, por três dias.
E esse cenário se repete globalmente. Em Santiago, a crise hídrica agravada pelo consumo de água dos centros de dados levanta preocupações sobre a sustentabilidade de longo prazo. Já em Guizhou, o crescimento econômico impulsionado por projetos de big data enfrenta desafios para garantir benefícios reais e sustentáveis para a população local. Tais exemplos evidenciam a necessidade de uma análise ética mais abrangente, que vá além da eficiência energética e inclua a justiça ambiental e social.
Embora muitas empresas de tecnologia promovam metas ambiciosas de sustentabilidade, as práticas acabam não correspondendo ao discurso. Uma prática comum e controversa é o uso de Certificados de Energia Renovável (RECs). Esses certificados permitem que as empresas comprem créditos de energia renovável sem necessariamente utilizar energia limpa em suas operações. Isso cria uma falsa impressão de sustentabilidade, permitindo que empresas aleguem neutralidade de carbono enquanto continuam a usar fontes de energia não renováveis.
A disparidade entre as métricas de emissões “market-based” e “location-based” é um exemplo dessa falta de transparência. A primeira abordagem permite que as empresas apresentem emissões reduzidas por meio da compra de RECs, enquanto a segunda revela o verdadeiro impacto das operações. Por exemplo, em 2022, a Meta relatou emissões de escopo 2 (indiretas de energias adquiridas, como a eletricidade vinda de uma concessionária) de 273 toneladas de CO2, mas as medições “location-based” indicaram emissões superiores a 3,8 milhões de toneladas. Essa prática destaca a necessidade de maior transparência e de comprometimento com a sustentabilidade real.
Inspirado no programa de classificação de eficiência energética da EPA dos EUA (Energy Star), o projeto AI Energy Star busca aplicar uma métrica similar aos modelos de IA. Este sistema ajudaria consumidores e desenvolvedores a escolherem modelos com menor consumo energético. O programa Energy Star original reduziu mais de 4 bilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa ao longo de 30 anos. A ideia é que algo semelhante possa ser feito com modelos de IA, promovendo a escolha de opções mais sustentáveis. Somente com regulamentações mais robustas e uma governança inclusiva poderemos alcançar um equilíbrio entre o progresso tecnológico e a proteção das comunidades e do meio ambiente.
Fonte: Diário do Comércio