Enquanto isso, denúncias de descumprimento do Código de Posturas sobem e fiscalizações caem

Um dos problemas na ocupação de calçadas é a aglomeração fora das mesas e dos gradis | Foto: Flavio Tavares / O Tempo

Fiscalizar a exploração mineral; a utilização de árvores para afixação de cabos, placas ou anúncios; casos de poluições atmosféricas, sonoras, visuais, hídricas e do solo; a limpeza, a drenagem e a conservação de edificações; a regularidade dos passeios; a atividade em feiras; a existência de alvará de funcionamento; a presença de autorização para atividades econômicas; o funcionamento dos prédios públicos; a segurança dos elevadores. Esses são apenas alguns exemplos da lista de 90 atribuições previstas em lei para os fiscais de Controle Urbanístico e Ambiental de Belo Horizonte.

Eles são os responsáveis por fazer valer as regras do Código de Posturas na cidade. Entretanto, todo esse trabalho é dividido entre 325 profissionais concursados e atualmente na ativa nas ruas da capital. O número é quase metade (45,8%) dos 600 servidores previstos quando o cargo foi criado em 2011.

No primeiro sábado do mês (6 de julho), a reportagem de O TEMPO percorreu bares e restaurantes e constatou uma série de irregularidades quanto ao uso e ocupação de passeios. Em alguns casos, os estabelecimentos chegavam a utilizar até mesmo as ruas, sem gradis, como área de extensão das atividades, o que fere o Código de Posturas. Essa situação, no entanto, é apenas a ponta de um iceberg muito maior de problemas não mapeados na cidade em função do déficit de profissionais.

Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), em 2022, foram extintas 236 vagas de fiscais ociosas. Naquela época, a meta da administração passou a ser alcançar um quadro de 364 servidores nesta área. Mesmo assim, a quantidade de profissionais efetivamente nas ruas ainda é 10,7% abaixo desse novo número de corte.

Os dois últimos concursos ocorridos foram em 2000 e em 2023. Entre os aprovados na última prova, 54 foram convocados, mas ainda estão em treinamento. A expectativa da prefeitura é que eles sejam levados para as ruas ao longo dos próximos meses. Entretanto, na visão do presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), Israel Arimar, o número está aquém do ideal. A média atual é de um servidor para cada 7 mil habitantes. “Em São Paulo e Brasília, a média é de um fiscal para 5 mil e um para 3 mil pessoas, respectivamente”, diz.

Arimar argumenta que o modelo de fiscalização aplicado na capital perde força no serviço estratégico e preventivo, funcionando à base de denúncias. “A secretaria orienta eles a atuarem onde existe demanda de fiscalização. Se um comércio é denunciado, os fiscais vão naquele comércio”, explica. A queixa é reforçada por um fiscal de Controle Urbanístico e Ambiental de BH, que conversou com a reportagem em anonimato: “A orientação é só trabalhar com denúncia”, revela.

“Fizemos no ano passado vistorias importantes e espontâneas, em creches, empresas de ônibus, na feira de artesanato, e nos mandaram parar. A maioria das creches na capital estão sem alvará do Corpo de Bombeiros, mas não podemos fiscalizar porque não está na prioridade de ações possíveis”, continua o fiscal. A situação das creches foi noticiada por O TEMPO em abril deste ano. À época, a PBH informou que trabalhava para regularizar o quadro.

Efeito na organização e segurança na capital

A carência de pessoal capacitado, segundo especialistas na área, tem um efeito macro: dificulta a vigilância de obras, comércios, limpeza urbana, código de posturas e controle ambiental em Belo Horizonte. Para se ter ideia, no período de 2022 a 2023, o número de pedidos de moradores por fiscalizações cresceu 11% (de 38.566 para 43.053), enquanto as vistorias caíram 5% (de 95.163 para 90.302), segundo informou a PBH.

Este ano, até 10 de julho, a equipe de fiscais realizou 46.813 inspeções – mais de 1,7 mil por semana. “O déficit é real. A fiscalização, em BH, é unificada. Então os servidores vistoriam limpeza urbana, obras, edifícios públicos, código de posturas, arborização, entre outros. Só não entram na área da saúde. Essa organização é referência no país, mas esbarra na falta de pessoal. A cidade é grande e diversa demais para o quantitativo”, pontua a urbanista e consultora em Inovação Urbana, Branca Macahubas. 

De acordo com a mestra em direito público e professora da Faculdade Arnaldo, Virgínia Machado, o Executivo pode não preencher todas as vagas para determinado cargo, contanto que haja justificativa, principalmente, orçamentária. “A legislação estabelece um quantitativo mínimo dos cargos da carreira. Então, possivelmente, quando o município não cumpre esse número, há uma questão de orçamento, falta dinheiro para pagar essa folha de pessoal. Para respeitar o limite de gastos, não convocam mais equipe”, analisa. De fato, a PBH informou que novas convocações de servidores “dependem de variantes como disponibilidade orçamentária e aposentadoria de fiscais”.

Para a urbanista Macahubas, a consequência é a cidade toda perder em organização e segurança urbana. “Se os fiscais seguem uma rotina de apenas atuar em insatisfações, o sistema é só punitivo. Belo Horizonte perde um trabalho prévio, de conscientização da população, de prevenção e resolução de infrações antes que um problema se infeste”, avalia.

Fiscais assumem pressão sobre Código de Posturas, mas déficit é desafio 

O cenário de déficit de fiscais reflete no conflito por espaço nas calçadas da capital, que O TEMPO tem noticiado há pelo menos sete meses, desde que uma fiscalização da prefeitura recolheu mesas e cadeiras de bares da região Central de BH em dezembro do ano passado. Neste período, uma portaria flexibilizou o horário de permanência dos clientes nos passeios e, segundo um dos proprietários dos estabelecimentos alvo, o Bruno César, do bar Del Ruim, as vistorias não aconteceram mais no Baixo Centro.

A responsabilidade das fiscalizações cai sobre os servidores, conforme o fiscal de Controle Urbanístico e Ambiental de BH ouvido pela reportagem. “O que é exaustivo é a pressão. Essas reclamações chegam para nós. A cobrança dos bares fecharem no horário cai em cima da gente, mas falta capacidade de atender plenamente as demandas”, diz.

Um exemplo de desacerto que poderia ser resolvido com vistorias preventivas nos bares e restaurantes é o de aglomerações de clientes em pé nas calçadas, fora das mesas e dos gradis, o que torna a passagem dos pedestres prejudicada. “Seria um serviço de orientação. Nos bares, os fiscais poderiam, antes de punir, educar sobre a maneira correta de organizar o espaço e ocupar as calçadas. Isso seria antecipar o problema”, afirma Branca Macahubas. O Código de Posturas de BH estabelece que a utilização do passeio deve priorizar a circulação de pessoas, de forma segura, confortável e acessível.

Para o presidente do Sindibel, esse é apenas um dos percalços enfrentados na cidade por falta de fiscais. “As mesas de bares incomodam e as pessoas reclamam, mas imagina a situação dos elevadores de BH. Os alvarás dos comércios. Será que todos funcionam com o alvará do Corpo de Bombeiros? É uma situação que a gente sabe o que acontece, e a população culpa os fiscais, mas o problema é na estrutura”, reclama Arimar.

Categoria aguarda novos chamamentos de concurso

O sindicato argumenta que a falta de servidores é reflexo do baixo número de concursos públicos. De fato, foram mais de 20 anos sem certames. Intervalo que foi interrompido no ano passado. Mas, da promessa de chamamento de ao menos 100 fiscais, apenas metade desse quantitativo foi convocado até o momento. “Nos próximos dois a três anos vamos ter mais fiscais aposentando, ou seja, mesmo se tiver novos chamamentos, ainda teremos problemas”, alerta o presidente sindical.

“É um déficit sensível que está aumentando. Foram várias aposentadorias ao longo dos anos. Os últimos 50 fiscais que entraram ainda estão em treinamento, não estão nas ruas”, acrescenta o servidor ouvido pela reportagem.

Secretário admitiu problema 

A falta de concursos públicos foi, inclusive, admitida pelo secretário Municipal de Política Urbana, João Antônio Fleury, durante audiência pública na Câmara Municipal este ano. Na ocasião, o chefe da pasta disse tentar convocar 100 novos fiscais até o final de 2024. “Não tem concurso desde 2000, foram 24 anos sem concursos. Eu concordo que a fiscalização tem um número menor de fiscais do que deveria ter. Gostaria de chamar até o fim do ano mais 100 fiscais além dos 54 [do último certame], mas isso vai depender de discussões internas na prefeitura”, disse.

Sobre isso, o Executivo afirmou que “o concurso tem validade de até 4 anos, o que permitirá a convocação de novos aprovados”. Isso, considerando que as convocações “dependem de variantes como vagas, disponibilidade orçamentária e aposentadoria de fiscais”.

Segundo a mestra em direito público, Virgínia Machado, é direito dos aprovados serem nomeados para o cargo de Fiscal de Controle Urbanístico e Ambiental, mas, considerando o cenário eleitoral, a perspectiva é que a demanda caia sobre a nova gestão. “Se a entidade pública definiu um número de vagas em um edital, significa que foi feito um estudo, esse pessoal foi pensado no orçamento e deve ser convocado até o prazo de validade do concurso. Agora, exige uma gestão estratégica. Em ano eleitoral, é mais característico empurrar para a nova gestão do que enfrentar essa alocação de pessoal”, avalia. 

Veja a lista de atribuições dos fiscais da PBH: 

São atribuições do cargo público efetivo de Fiscal de Controle Urbanístico e Ambiental:


Fonte: decreto Nº 14.648, de 11 de novembro de 2011

Fonte: O Tempo