Montagem propõe um exercício de reflexão sobre a vida e de compartilhamento de vivências com o outro

Denise Fraga e Tony Ramos se encontram em “O Que Só Sabemos Juntos” | Foto: Cacá Bernardes/Bruta Flor/divulgação

Naquele 16 de maio, Tony Ramos – que chega a BH nesta quinta-feira (18) com o espetáculo “O Que Só Sabemos Juntos” – não fizera como de costume. Permaneceu na cama quando a van chegou para levá-lo às gravações do filme “A Lista”, mesmo após os insistentes chamados de sua mulher, Lidiane Barbosa.

Ela estranhou. “Quando a Lidiane se deparou comigo no quarto, eu estava meio desfalecido, meio demasiado, uma coisa estranha”, conta o ator, por meio do relato da mulher, já que ele mesmo não se lembra de nada. 

Tony foi socorrido pela companheira, levado ao hospital de ambulância e atendido prontamente por uma equipe multidisciplinar. “Eu usaria vários minutos desta entrevista somente agradecendo todos eles”, celebra.

Na UTI, um exame de imagem revelou que o ator havia sofrido um hematoma subdural, que é o que acontece quando há um acúmulo de sangue entre o cérebro e o crânio.

Ele precisou passar por uma cirurgia, mas sofreu uma “leve convulsão”, que o levou novamente ao bloco cirúrgico. Após a segunda operação, o médico se surpreendeu ao visitá-lo no quarto. “Que reação boa a sua! Como você está se sentindo?”, perguntou o especialista a Tony. 

O ator respondeu, recitando um texto de um dos maiores poetas da língua portuguesa, Fernando Pessoa: “Eu não possuo o meu corpo, como posso eu possuir com ele? Eu não possuo a minha alma — como posso possuir com ela? Não compreendo o meu espírito, como através dele compreender? As nossas sensações passam — como possuí-las, pois — ou o que elas mostram muito menos. Possui alguém um rio que corre, pertence a alguém o vento que passa? Não possuímos nem um corpo nem uma verdade — nem sequer uma ilusão. Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer — eu sou eu? Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu.”

O trecho parte do espetáculo “O Que Só Sabemos Juntos”, em que Tony contracena com Denise Fraga e, que, depois de ter estreado em São Paulo e passado pelo Rio de Janeiro, chega a Belo Horizonte no Teatro Sesiminas de quinta (18) até o próximo domingo (22).

“Ao ouvir o trecho, o médico falou: ‘pô, que coisa linda isso!’ E eu respondi: ‘Pois é, é Fernando Pessoa’”, relembra Tony. Lidiane até pediu ao marido para que poupasse esforços, mas o médico respondeu que não precisava – afinal, Tony estava ótimo.

Passados pouco mais de quatro meses desde a intercorrência, o artista se sente recuperado, “mas os exames continuam sendo feitos”. Ele conta que voltar ao trabalho, especialmente em um espetáculo como este, faz com que se sinta ainda mais vivo. “O Que Só Sabemos Juntos” marca a volta do ator aos palcos depois de mais de 20 anos – seu último trabalho no teatro, “Novas Diretrizes em Tempos de Paz”, com Dan Stulbach, é de 2001.

“Queria voltar ao teatro, fazendo uma reflexão do meu tempo mescladas a vivências de 50, 60 anos atrás. Minha ideia é que as pessoas saíssem do teatro com ideias positivas, porque refletir sobre a vida é fundamental”, elabora.

A inspiração para a construção de algo do tipo veio quando o ator assistiu a Denise Fraga no teatro com o monólogo “Eu de Você”, em que a atriz conta histórias reais, costuradas com literatura, música, imagens e poesia.

“Eu fiquei impactado de uma forma muito assustadora. É deslumbrante. Quando vi aquilo, falei: ‘nossa, que coisa nova, contemporânea’”, relembra.

Ao fim do espetáculo, Tony e a mulher saíram para jantar com Denise e o marido dela, Luiz Villaça, diretor da montagem. A conversa entre os quatro, inicialmente trivial, acabou se transformando em ideias que culminaram no “O Que Só Sabemos Juntos.”

O espetáculo 

Na trama, Denise Fraga e Tony Ramos vivem um casal que faz um chamado para a plateia se preocupar menos com os próprios problemas para estar aberta para vivenciar as dores e alegrias do outro.

Para isso, se valem de recordações de experiências deles próprios e também de textos de peças clássicas da dramaturgia, como “Tio Vânia”, de Anton Tchekhov e “Galileu Galilei”, de Bertolt Brecht. No decorrer do espetáculo, também há citações de bell hooks, Annie Ernaux, Arnaldo Antunes, João Cabral de Melo Neto, além do já citado Fernando Pessoa. 

Denise conta que o diálogo entre atores e plateia é desatado de maneira muito delicada. “É como se a gente misturasse realidade com ficção o tempo inteiro. Tudo o que parece mentira, de repente, invade a realidade e vice-versa. Muitas das coisas que conversamos com o público entram na dramaturgia. É um exercício grande de presença, de disposição, de olho no olho. Convidamos a plateia a uma experiência coletiva, em que compartilhamos coisas verdadeiras”, indica a atriz.

Essa relação, aponta Denise, acontece não somente entre ator-plateia, mas também entre plateia-plateia. “Uma pessoa na plateia que assiste a algo ao lado de desconhecidos se sente, por exemplo, encorajada a chorar se perceber que a pessoa ao seu lado está fungando. Da mesma forma que, quando alguém dá uma gargalhada, incentiva o outro a rir. Somos convidados todos os dias ao individualismo por meio das telas, e só na experiência com o outro é que realizamos quem realmente somos”, reflete Denise.

Essa conexão com o público, a propósito, acontece bem antes do início do espetáculo. Denise faz questão de receber todas as pessoas logo na entrada da casa, acompanhada de seu colega de cena. “Já faço isso há muitos anos, desde ‘A Alma Boa de Setsuan’, de 2008. Antes eu recebia o público oferecendo o programa, dando boas-vindas e falando com um e outro. Mas como ‘Eu de Você’ é um espetáculo feito em cima de histórias reais, decidi ir a eles de verdade, conversando mesmo com a plateia, perguntando como chegou ali, pedindo para contar uma história… E isso é o que também fazemos em ‘O Que Só Sabemos Juntos’”, finaliza.

SERVIÇO
O quê. Espetáculo “O Que Só Sabemos Juntos”, com Tony Ramos e Denise Fraga
Quando. De quinta (19) a sábado (21), às 20h, e, no domingo (22), às 19h
Onde.Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia)
Quanto. R$ 200 (inteira) e R$ 100 (meia-entrada), disponíveis no Sympla.
*A sessão do dia 21/09 contará com tradução em Libras

Fonte: O Tempo

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